quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Elvis parte 1

Elvis é um pássaro. Na verdade, era. Mas tenho dificuldade até hoje de falar no passado. É uma história longa.
Houve uma época que a minha esposa ficava muito em casa. Eu, não. Minha casa sempre foi um dormitório apenas. Surfava ou fazia algo de manhã, trabalhava o dia inteiro, à noite ia para algum curso.
Pensei em dar a ela um animal que fizesse um pouco de companhia. Minha relação com animais era muito diferente do que é hoje. Não me soava nada estranho dar a alguém um animal. Não podia ser nada grande e um passarinho seria excelente se não fosse o mal estar de vê-lo preso em uma gaiola. Foi quando comecei a ver pássaros sendo criados soltos em casa. Liguei para um criadouro em Maricá e encomendei uma calopsita. Ainda estava para nascer o Elvis. Ele sairia do ovo e passaria alguns dias no criadouro antes de vir para casa.
No dia combinado, chegou aqui em casa um rapaz lá de Maricá. Ele tinha uma caixa de sapato com algumas calopsitas. Estava de noite e elas estavam meio lentas. Escolhi a mais agitada. Ele disse que aquele já tinha nome. Ele era bem topetudo e, por isso, havia dado a ele o nome de Elvis. Me mostrou algumas fotos do Elvis com a filha dele e até aninhado no cachorro da família. Foi criado sempre solto e com muito carinho.
Elvis era pequeno e mal comia semente. Os alimentávamos com uma papinha. A gente não sabia como fazer aquilo e nem ele sabia como se relacionar conosco mas fomos aprendendo. Eu lia tudo a respeito de calopsita. Entrei em vários fóruns na internet para aprender a lidar com aquele animal. Mas, na hora de manusear o Elvis, esquecia tudo que havia lido e fazia à minha maneira o que conseguia. Era papinha para todo lado e aquele pássaro gritando pedindo mais comida. Depois de muita luta, ele se acalmava.



quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Meningite



Acho que nunca falei nada muito relevante sobre a meningite que tive quando criança. Também já bati a cabeça e fiquei sem memória por uns tempos, mas isso é outra história. O importante foi não ter esquecido minha infância. Pelo contrário, passei a me lembrar mais dela depois disso.

Eu tinha uns 11 anos e estava em Itajubá, no Sul de Minas, quando senti dores de cabeça muito fortes. Nunca havia sentido nada parecido. Meu pai tinha muita enxaqueca e reclamava de dores de vez em quando. Achei que, pela primeira vez, eu estava sentindo aquilo que ele tanto maldizia. Andei de bicicleta naquelas ruas que eram de paralelepípedo como eu sempre fiz mas as dores eram muito fortes. Isso confundiu os médicos porque não acreditaram que eu podia estar com meningite e andar de bicicleta. Esse negócio de resistir muita à dor sempre me complicou. Também duvidaram de mim quando quebrei a perna, quando tive dengue, mononucleose etc. Mas, enfim, os meus sintomas eram de meningite e os exames confirmaram a doença.

Um momento bem marcante foi quando tentei dormir  já no hospital e não deixaram. Toda aquela movimentação, dor, náuseas etc me fez querer apagar de vez. Nunca me passou pela cabeça que eu poderia não acordar ou acordar pior ainda. Mas, na dos médicos, sim. Não me deixaram dormir.

Depois, fui melhorando mas continuei internado. O meu quarto era um dos poucos que tinha televisão. Me lembro de alguns pronunciamentos do Sarney, que era o Presidente de República na época. Eu mesmo não estava nem aí para isso mas os enfermeiros, médicos e quem mais estivesse no corredor entravam no quarto para ver TV e disfarçavam trocando algumas palavras comigo.

Quando alguma visita chegava não me recordo se a presença deles me gerava grandes sentimentos. Mas, se me trouxessem algum gibi, isso sim me dava muita felicidade.

Era uma Santa Casa e em alguns momentos entraram alguns religiosos para rezar por mim. Nada contra religião nenhuma mas tomara que não façam mais isso. Se querem fazer, façam longe das crianças, por favor. Aquilo não me trouxe energias boas. Eu já estava até me sentindo bem mas aquelas pessoas rezando por mim me fez achar que eu ia morrer logo em seguida.

Não vou dizer que não gostei de ter ficado no hospital. Foi uma experiência diferente. Sempre gostei de coisas estranhas. Gostei de ler os gibis, de ser o centro das atenções por alguns dias, de ter ficado mais a sós com meus pais, mas quando tive alta... minha primeira reação foi correr.

Eu corri pelos corredores do hospital. Estava meio desequilibrado. Era tudo diferente de quando entrei. Meu corpo era todo estranho e eu estava muito mais magro e mais leve embora com muito menos força. Minha mãe falava para eu não correr mas a felicidade dela em me ver fazer aquilo era tão grande quanto à minha.

Demorei para me lembrar de tantos detalhes. Talvez só com o tempo eu tenha entendido a gravidade da situação e dado mais importância aos fatos. Ou, na época, tenha sido tão ruim que não queria nem mais lembrar. Mas, às vezes, é bom relembrar mesmo as partes que pensamos que já esquecemos.