sábado, 20 de junho de 2009

Memórias de uns dias sem lembrança


Eu tinha a sensação de estar sonhando com um monte de gente falando ao meu redor. De repente, escuto o som do meu passarinho cantando, era meu telefone tocando. Todo mundo pára de falar. Escuto as pessoas perguntando que som era aquele. Quando percebo, vejo que não era um sonho. Tinha um monte de gente à minha volta olhando para mim com cara de assustado. Eu estava no meio do asfalto deitado. O telefone ainda está tocando. Eu não conseguia me mexer porque bombeiros estavam amarrando minha cabeça na maca.

- É meu telefone. Por favor, me dêem meu telefone.

Minha esposa estava no telefone sem entender nada. Então, tento explicar o que eu também não sabia:

- Luciana, aconteceu um acidente. Tá cheio de bombeiro aqui. E acho que o acidente foi comigo.

Não sei o que mais aconteceu no asfalto. Parece que dormi de novo, mas na verdade as pessoas falam que em nenhum momento eu dormi. A impressão que eu tinha a todo momento é que estava acordando de um sonho.

Quando parecia estar acordando novamente, vejo um médico e minha irmã caçula, Lydiane, em um hospital. O que ela estava fazendo ali? O que eu estava fazendo ali? O médico era bem simpático, sorriu e falou algo que não me lembro.

De repente, estou me sacudindo todo. Percebo ou alguém me fala que estou dentro de uma ambulância. Como não me lembrava de nada, nem dos meus problemas, o meu humor estava ótimo. Falo com o enfermeiro ao lado como estava sendo legal andar de ambulância. O enfermeiro me olha com uma cara de estar de saco cheio. Provavelmente, eu falei para ele a mesma coisa mais de mil vezes, afinal eu não lembrava o que tinha acontecido há cinco minutos atrás.

Sei lá como, mas eu entrei em outro hospital. Só me lembro de estar olhando para o teto deitado em uma maca e cheio de aparelhos presos em mim. Quando olho para o lado está minha irmã caçula. Mas o que ela está fazendo ali? O que eu estou fazendo ali?

Toda vez que perguntava alguma coisa a alguém, a pessoa me olhava com uma cara de que já tinha me falado a mesma coisa mais de mil vezes. Minha irmã, coitada, mal aguentava falar comigo.
Eu perguntava aos enfermeiros o nome de todos eles. Não era só por uma questão de ser simpático mas queria saber se me lembraria do nome deles na próxima vez que eu os visse. Não sei se minha técnica adiantou de alguma coisa. Mas, pelo menos, era mais uma pessoa para me explicar o que tinha acontecido. Quando algum enfermeiro se calava com cara de quem já havia respondido a minha pergunta, era hora de perguntar a outro a mesma coisa.

Cada vez mais, conseguia entender que havia sofrido um acidente de moto e batido a cabeça. Como algum maluco colocou um celular na minha mão dentro da UTI, eu decidi ligar para as pessoas para dizer que estava bem. O problema é que cada pessoa escutou isso de mim umas 500 vezes em questão de minutos porque não me lembrava de já ter ligado para elas. Também tive que escutar um médico reclamar comigo por estar usando o celular. Deve ter reclamado muitas vezes, mas só lembro de duas vezes. Na última, ele me deu alta porque parecia já estar sem a mínima paciência de falar que não podia usar celular ali.

Também lembro de algumas pessoas irem me visitar. A minha esposa foi. Esposa? Eu já era casado? Pois é. Cada coisa que a gente descobre num leito de hospital. A Lydiane estava ali fazendo o que? Era melhor nem perguntar. Minha mãe me olhava com cara de que fiz alguma coisa errada. O pior é que eu nem sabia o que tinha feito. A cada hora aparecia um ali, ao lado da maca do hospital, para me ver.

Depois de alguns dias, saí do hospital em Niterói. Niterói? Eu caí de moto na Presidente Vargas e fui parar em Niterói? Melhor nem perguntar de novo como isso aconteceu. Quando atravessei a rua para entrar no carro, olhei para trás como se fosse entender alguma coisa, mas não entendi nada. Era um hospital grande e bonito com um heliporto em Niterói e eu não tinha a mínima idéia de como fui parar lá.

Em casa, minha memória foi voltando. Menos do acidente. Até hoje não lembro de nada do acidente. Aos poucos, fui lembrando dos meus problemas, meus compromissos. Acho que meu humor foi mudando também. Estava bem melhor sem lembrar de meus problemas.

Não torço para ninguém bater a cabeça e perder a memória como aconteceu comigo. Mas, sinceramente, é uma experiência muito interessante. Percebi que parte do que eu sou faz parte da minha memória.